Vagalume memória: Entrevista com Zé Rodrix em 2008
Trazemos de volta a conversa que fizemos com o cantor e compositor um ano antes de sua morte
– Vagalume memória: Entrevista com Zé Rodrix em 2008
Há mais de 14 anos, o Vagalume teve a chance de bater um longo pao com uma das figuras mais interessantes da música brasileira. Naquele momento, Zé Rodrix vivia um momento interessante em sua vida multifacetada.
Após anos se dedicando à publicidade e à escrita ele retomou sua carreira artística, voltando compor e a fazer shows com os velhos parceiros, como Tavito e, claro, com Sá e Guarabyra. Tudo indicava que este “terceiro ato”, parodiando o título de seu disco de estreia, geraria grandes frutos, mas não era pra ser.
Pouco mais de um ano depois dessa conversa, Rodrix sofreu um infarto fulminante e morreu com apenas 61 anos. A entrevista foi publicada pelo Vagalume em abril de 2008, mas, há anos, estava fora do ar. Agora, trazemos ela de volta, e em definitivo, da maneira que foi publicada originalmente, apenas com alguns pequenos ajustes.
Por Leandro Saueia:
Publicada originalmente em 24 de Abril 2008
O nome de Zé Rodrix pode não significar muito para os mais jovens. Afinal há mais de vinte e cinco anos ele não lança um disco solo. Mas basta falar de algumas de suas músicas que a memória provavelmente será ativada.
Rodrix apareceu para o grande público em 1967 ao acompanhar ao lado do Momento Qu4tro Edu lobo e Maria Medalha em Ponteio no Festival da Record (“quem me dera agora eu tivesse uma viola pra cantar”). Mas foi nos anos 70 que ele deixou sua marca mais forte na nossa música. Foram anos de muita produtividade que incluíram o grupo Som imaginário, os fundamentais Sá, Rodrix e Guarabyra, verdadeiros criadores do country/folk rock legitimamente brasileiro (ou melhor dizendo, do rock rural) e uma carreira solo não menos brilhante que teve de tudo um pouco: baladas confessionais ao piano, rock jazzificado, pop, e música latina. São dele canções como Casa no Campo (em parceria com Tavito, imortalizada por Elis Regina), Mestre Jonas ou Soy latino Americano.
Nos anos 80 e 90 sentindo o clima pesando ele abandonou a carreira e passou a se dedicar somente á publicidade. Responsável por alguns jingles de enorme sucesso (campanhas para Marisa, Chevrolet, Extra ou Fininvest comprovam).
Em 2001 Zé aceitou um convite para se reunir com os antigos companheiros Sá e Guarabira no terceiro Rock in Rio e desde então não se separaram mais.
Se sentindo novamente confiante, Rodrix agora resolveu reativar sua carreira solo e o fez em grande estilo, armando um show em que se apresenta ao lado de uma big band e toca músicas desses mais de 40 anos de carreira. Foi em Santos, no dia da estreia do show, que falamos com ele.
Você está comemorando 40 anos de carreira. Com a gravação de um CD e DVD ao vivo. Vamos começar então por esse projeto.
Eu já tinha há muito tempo um sonho de fazer um show assim, com uma big band. Um amigo, o (compositor santista) Sonekka, me colocou em contato com o pessoal do Sesc de Santos que curtiu a ideia.
Para esse show eu fiz um levantamento do meu repertório velho, novo e seminovo e vi que essas canções contam não só a minha história como também me dão a oportunidade de dizer o que eu penso sobre várias coisas.
Nesses anos em que ficou “parado” nem show você fez?
Não. Quer dizer, a gente fazia umas brincadeiras com o Joelho de Porco, mas pra mim aquilo não dava pra considerar trabalho. (Rodrix se juntou ao grupo paulistano em meados dos anos 80). Esse tempo todo eu fiquei trabalhando na publicidade, o que para mim era ótimo.
Como anda o Sá, Rodrix e Guarabyra?
A gente continua na estrada e estamos preparando um novo cd de inéditas pra sair em agosto.
Vamos tentar passar a limpo os seus mais de 40 anos de carreira. Para começar fale sobre o seu primeiro grupo o Momento Quatro.
Nós éramos um sexteto que cantava muita música folk americana e brasileira. Depois começamos a compor e queríamos mostrar as nossas músicas. A gente cantava mais para mostrar as canções para quem se interessasse em gravá-las. Um dia o Aloysio Oliveira (do selo Elenco), nos ouviu e disse que deveríamos começar a trabalhar cantando.
Em 1967, a gente acompanhou o Edu Lobo e a Maria Medalha em Ponteio no Festival da Record, e a música foi vencedora. Por conta disso a gente trabalhou bastante depois. Gravamos alguns compactos, participamos do disco de muita gente e fizemos uma temporada de shows com a Nara Leão. No final de 68 o Ricardo Sá disse que precisaria parar porque iria cair na clandestinidade (ele acabou exilado em Paris trocado pelo embaixador norte-americano seqüestrado).
Nos anos 60 havia uma patrulha musical muito grande com uma briga enorme entre os “nacionalistas” e os “alienados”. Como você via esse embate na época?
Eu sempre fui um cara extremamente pessoal e sempre acreditei que a arte é superior a qualquer coisa. Não é possível fazer arte se você estiver preso a ideologias, partidos políticos, igrejas, propostas estéticas ou qualquer outra coisa. O disco do Momento Quatro já é um álbum muito estranho. Porque apesar dele pedir a benção para aquela MPB com a qual a gente trabalhava, ele tinha coisas muito diferentes. O pessoal estranhou, porque achavam que nós éramos parte daquela “tradição”.
Quando o Momento acabou você já foi pro Som Imaginário ou fez algo antes?
Eu fui ser hippie no Rio Grande do Sul com um pessoal muito legal que tinha conhecido na Record. Formamos o grupo GRAU ou Grupo Revolucionário de Arte Livre, como a gente era besta (risos). Nós fizemos também um grupo de rock maravilhoso chamado “Primeira Manifestação da Peste” que não deixou registros.
Como era o som de vocês?
Era um som meio psicodélico de vanguarda.
Logo depois você montou o Som Imaginário. Como você chegou no Wagner Tiso e os outros caras?
Eu voltei pro Rio de Janeiro e conheci o Tavito que já estava definitivamente lá. Na praia nós conhecemos um outro amigo e fomos morar na casa dele. Esse amigo disse que estava preparando um show para o Milton Nascimento. Ele nos juntou ao trio que tocava com o Milton (Wagner Tiso, Luis Alvez e Robertinho Silva). Por último veio o Laudir de Oliveira, que tinha voltado dos Estados Unidos e montamos esse sexteto. A gente estreou na sexta-feira da Paixão de 1970 no show “Milton Nascimento ah, e o Som imaginário”.
Logo depois o Laudir voltou pros EUA pra tocar com o Chicago, o Naná Vasconcellos também não ficou muito e finalmente chamamos o (guitarrista) Fredera. Foi quando viramos uma banda mais roqueira.
Algo que chama a atenção no Som Imaginário é que o progressivo sempre foi meio carrancudo e vocês eram bem-humorados.
Sim, sempre. Mas nós tínhamos um lado sério também. Eu acho que a gente era mais psicodélico que progressivo. No disco que gravamos com o Milton tem aquela música “Pai Grande”, que é toda construída em cima de ruídos e barulhos. Essa ousadia foi muito boa, porque como lá tinha gente com todo tipo de pensamento em relação à música, a mistura que saía dali era muito legal.
Você voltou a trabalhar com o Tavito agora. Existe a vontade de retomar algo desse tempo?
Sim, em 2009 nós vamos fazer um projeto chamado Um Som Imaginário, onde a gente pretende recuperar o sabor e o jeito de compor que a gente tinha nos anos 70.
Mais ou menos nessa época é que você compôs “Casa no Campo” com ele. Como rolou a gravação da Elis?
Eu coloquei a música no Festival de Juíz de Fora, ela ganhou e um dos prêmios era o direito de defender a música no Festival internacional da Canção daquele ano. No sábado a tarde quando eu acabei o ensaio, ela me segurou pelo braço e disse que iria gravar aquela música. Ela gravou também outra minha chamada “Olhos Abertos”. O engraçado é que sempre que a gente se encontrava ela dizia: “Põ, manda umas fitas pra mim”, e eu não ia atrás dela de vergonha. Eu deveria ter ido.
Para você, qual é o maior legado do Sá, Rodrix e Guarabyra?
De uma certa forma nós abrimos uma porta muito interessante. O rock brasileiro já estava mais liberado naquela época, mas era aquela coisa de “a gente pode usar rock ‘n’ roll, mas é um rock mpb viu gente, não é Jovem Guarda”. E a gente pegou essa música urbana e misturamos com coisas que na época eram consideradas lixo, como o baião ou a música do nordeste. Muito por conta do manifesto CPC da UNE que dizia que tanto a arte burguesa quanto a popular eram alienadas. Quando a gente misturou isso, o que foram chamar de “rock rural”, abrimos portas para muitos que vieram depois como o “Pessoal do Ceará” (Belchior, Ednardo, Fagner…).
Seu terceiro disco solo, “Soy Latino Americano” (1977) é o seu maior sucesso. Fale dele um pouco“
Eu estava há dois anos sem gravar. Nesse tempo eu fui ser diretor musical e ator do Rock Horror Show. Aí a gravadora falou que estava na hora de lançar um disco novamente. O Soy Latino foi feito intencionalmente para mostrar como é que se faz um disco falando o que se quer falar de forma que ele possa ser consumido popularmente.
De onde veio a influência latina e caribenha?
Eu tinha muita paixão por mambo, rumba e toda aquela mística rítmica de Cuba. Era um gosto antigo vindo desde a minha infância, na época em que a música cubana era da maior importância no Brasil. Então eu resolvi experimentar essa linguagem. No Soy Latino Americano um pouco e depois de forma mais bem realizada no Quando Será, meu disco de 1977, que pra mim é o meu melhor disco.
Nos anos 80 e 90 você compôs mais para teatro e tirando os dois discos com o Joelho de Porco pouca coisa foi lançada. Esse sumiço foi espontâneo ou foi forçado por uma situação de mercado?
Em 80 eu fui para RCA, onde fiz um compacto e um LP. Mas eu já estava muito desgastado com a minha carreira. Porque o mercado de música tinha se profissionalizado a um ponto onde começou a haver cada vez menos espaço para a criação e cada vez mais para as tais “fórmulas de sucesso”. Eu digo que a idéia de que um artista pra fazer sucesso tem que vender um milhão de cópias começa na essa época, de 76 pra cá, com a discoteca. Quando chegou em 80 essa idéia já tava bombando. Eu já estava desgastado com isso e com uma série de outras coisas. Até que em 19 de janeiro de 1982 a Elis morre. Nesse dia eu disse: “Parei, chega”.
Os seus discos vendiam bem?
Eles chegaram a vender muito bem. O Soy Latino Americano foi o primeiro disco brasileiro a derrubar o Roberto Carlos em dezembro por exemplo.
Quando você começou na publicidade?
Em 78 a gente montou a estrutura em São Paulo. Eu e o Tico Terpins. Em 82 eu disse que estava a disposição e que ia ficar direto lá. E fiquei até o ano 2000. Nesse tempo a única coisa que fizemos foram as “Joelhadas” (dois discos e alguns shows com o Joelho de Porco), mas tudo era chamariz pro nosso trabalho na publicidade.
E a sua relação com a internet? Como é?
Hoje em dia minha grande ferramenta de pesquisa é a internet, para tudo.
Inclusive para música?
Música eu busco quando preciso de alguma coisa em específico. Por exemplo, o bis desse show é uma composição minha com o Miguel Paiva chamada “O Rock do Planalto” da qual só existia uma gravação quase que caseira e eu não me lembrava direito como ela era. Eu perguntei se alguém tinha a música (na comunidade dedicada a ele no Orkut) e em minutos eu fui soterrado por várias versões dela…
Vagalume memória: Entrevista com Zé Rodrix em 2008.
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