Lançando disco ambicioso, Ed Motta celebra ter chegado aos 50 anos “sem fazer música pop”
Em novo trabalho, cantor e compositor mostra talento na valsa, jazz, blues e, também, no pop sofisticado
– Lançando disco ambicioso, Ed Motta celebra ter chegado aos 50 anos “sem fazer música pop”
Há 35 anos, o Brasil foi apresentado a um jovem com muito talento e opiniões fortes para quem mal tinha completado 17 anos. Era Ed Motta.
Seu disco de estreia, gravado com a Conexão Japeri, gerou dois grandes hits, “Manuel“, uma das duas únicas do LP que não tinham o dedo dela na composição, e “Vamos Dançar“, que o tornaram um estouro nacional.
O fato dele ser sobrinho de Tim Maia não passou despercebido pela imprensa e, não raro, era um assunto que tomava boa parte das entrevistas.
Do tio, não se nega que ele herdou o talento, o bom-humor e o gosto pela polêmica. Por outro lado, Ed preferiu um caminho bem diferente, e, de certa forma, único, na música brasileira. Sem medo de experimentar, e com sede de conhecimento, Ed foi se embrenhando mais e mais no mundo musical, sua coleção de discos é das mais invejáveis do planeta, e também ampliou seus horizontes para os filmes clássicos, histórias em quadrinhos europeias e alta gastronomia.
Ed Motta teve outro pico de sucesso no final dos anos 90/início dos 00, época de “Manual Prático para Festas, Bailes e Afins” e de sua sequência, mas sempre lutou para não ficar estigmatizado como cantor de “soul e black music dançante”. Seguindo sempre seu instinto, ele nunca se arrependeu de suas escolhas – não por acaso, seus discos menos bem sucedidos comercialmente estão entre os seus favoritos.
Como ele diz em bate-papo com o Vagalume, o que mais sonhava quando jovem era não estar fazendo música pop aos 50 anos.
Aos 52, Ed está lançando seu mais novo trabalho. O ambicioso “Behind The Tea Chronicles”, o 14° do carioca, foi feito assim como seus últimos trabalhos, para o mercado exterior – ele conquistou um público especialmente na Europa e na Ásia que é bem diferente daquele que costuma vê-lo no Brasil.
Calcado no jazz, no pop sofisticado do Steely Dan (abaixo), sua grande paixão, e com desvios por estilos diversos, ele definitivamente não é um LP feito para as massas, mas também está longe de ser um trabalho hermético, do tipo que apenas alguns iluminados conseguirão entender.
“The Tea Chronicles” é menos devotado ao pop adulto quanto “AOR” (2013) ou “Criterion of The Senses” (2018), mas guarda semelhanças com eles e mostra que a obra de Ed Motta tem uma coerência que vem de décadas, mesmo que nem sempre isso seja notado.
“Eu acho que essa linha, que aparece no disco novo, eu já venho desenvolvendo desde o meu segundo disco, o ‘Um Contrato Com Deus’ (1990), que tinha umas vinhetas de reggae, de blues e não sei o quê, e já apresentava essa diversidade imensa de influências, comigo trabalhando um monte de coisas diferentes”, ele conta em conversa via zoom direto de sua casa.
“O ‘Tea Chronicles’ tem essa coisa do soul AOR, mas aparece também a influência da Broadway, que estava mais presente no “Dwitza” (2002) e “Aystelum” (2005), discos que já tinham o negócio de musicais, valsa, cantora lírica, tudo misturado.”
Ed Motta não abre mão de fazer discos que soem da melhor forma possível no aspecto técnico. É aí que a sua paixão pela obra do Steely Dan, grande banda dos anos 70, é mais evidente. O cantor e compositor passa infinitas horas em estúdio burilando o material em busca da, palavras dele, “mixagem mais perfeita possível”.
Logo, fica claro que ele não faz parte do time de artistas que buscam a “espontaneidade dos primeiros takes”, à la Bob Dylan. Longe disso. Crueza parece ser uma palavra banida do seu vocabulário. Mas não é bem assim. “Eu gosto da crueza como ouvinte, quando ela tem um porquê social de existir. A crueza das bandas de garagem não me convence, se bem que eu adoro o Music Machine e os Kinks, mas eu tenho loucura por essa história do ‘audiophile’ e eu aprendi isso com a música do Steely Dan, principalmente na parte técnica da obra deles”.
Da visceralidade do blues Ed gosta, o que fica evidente em uma das maiores surpresas do álbum, a vinheta “Buddy Longway“, com seu clima rural que remete tanto aos bluesmen do Delta do Mississipi quanto ao terceiro disco do Led Zeppelin – segundo o release, ela é uma “street song” inspirada em um personagem dos quadrinhos franceses.
Diametralmente oposta é “Slumberland“, faixa que une pop e sofisticação e é um dos grandes momentos do trabalho. Perguntamos se Ed também fez como Donald Fagen e Walter Becker, a dupla do Steely Dan, que rejeitou sete solos feitos pelos maiores guitarristas de estúdio do planeta até se darem por satisfeitos. “(risos) Eu sou mais frio. Eu vou gravando e emendando.. ‘essa frase não tá boa… faz de novo, de novo.. ah, ótimo’. Eu vou construindo o solo, tipo o Robert Fripp, do King Crimson”, explica, mostrando um pouco como trabalha em estúdio.
Se houve um tempo em que Ed deixava as letras em segundo plano, ou convidava nomes como Rita Lee ou Seu Jorge para ajudá-lo com essa tarefa, isso hoje em dia mudou. Para o cantor, as letras agora demandam a mesma atenção do que a composição de melodias e arranjos. “Eu dedico o mesmo tempo. Eu tenho um cuidado obsessivo com as letras.”
“AOR” foi um álbum que saiu em edição bilíngue, mas, desde então, os trabalhos do artista saem com letras unicamente em inglês – este, lá fora, pela renomada MPS, uma das mais importantes da história do jazz europeu.
Em “Behind The Tea Chronicles” não há canções confessionais nem nada do tipo, e sim pequenas histórias, com cara de roteiros de filmes ou série de televisão, musicadas. “Essa coisa da narrativa cinematográfica, eu não pensei nisso antes… depois que juntei as canções é que percebi isso.”
Com um novo disco já na rua, Ed não tem muito tempo para olhar para trás, tanto que ele sequer tinha se dado conta dos 35 anos de lançamento de seu primeiro álbum. O carioca ri da ideia de fazer um “show comemorativo” desse trabalho, na linha do “Manuel 35”. “Aquela turnê comemorativa tocando o disco, aquela sacanagem. Caramba, meu deus do céu (risos).”
A conversa então chega em outro álbum importante, ainda que um grande fracasso comercial. Lançado há 31 anos, “Entre e Ouça” pode ser visto como o momento em que o compositor mostrou realmente quem ele era.
“Eu segui sendo aquele ali. Eu sempre comentava com os amigos: ‘Espero que quando eu chegar aos 50 anos, que eu não esteja fazendo música pop’ (risos). Eu adoro pop, adoro ouvir, mas eu sou colecionador, eu sou muito metido. Eu não vou querer ficar barato, eu quero estar onde está a coisa melhor, mais trabalhada. Isso foi acontecendo naturalmente”.
Ed Motta também não é muito fã de shows – quem acompanha suas lives no Instagram, que começaram na época da pandemia e nunca mais deixaram de acontecer, sabe. “Se eu fosse milionário eu nunca mais pegaria uma avião na minha vida. NUNCA MAIS (risos). ‘Vem cá, vamos triplicar a sua fortuna’, não obrigado, eu estou bem com o que tenho” (risos).
Assim, mesmo entendendo que suas músicas são feitas muito mais para serem ouvidas em disco do que ao vivo, por “força das circusntâncias”, ele irá fazer shows de divulgação. Ed tem uma turnê pela Europa agendada para o ano que vem, ciente que não terá como levar “Behind The Tea Chronicles”, e sua riqueza de detalhes, para o palco. Os shows terão logicamente músicas novas, que serão intercaladas com canções de uma carreira que já passa das três décadas.
Ouça “Behind The Tea Chronicles”:
Lançando disco ambicioso, Ed Motta celebra ter chegado aos 50 anos “sem fazer música pop”.
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