O Ébrio

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Vicente Celestino

Nasci artista

Fui cantor

Ainda pequeno levaram-me para uma escola de canto

O meu nome, pouco a pouco, foi crescendo, crescendo

Até chegar aos píncaros da glória

Durante a minha trajetória artística tive vários amores

Todas elas juravam-me amor eterno

Mas acabavam fugindo com outros

Deixando-me a saudade e a dor

Uma noite, quando eu cantava a Tosca

Uma jovem da primeira fila atirou-me uma flor

Essa jovem veio a ser mais tarde a minha legítima esposa

Um dia, quando eu cantava A Força do Destino

Ela fugiu com outro, deixando-me uma carta, e na carta um adeus

Não pude mais cantar

Mais tarde, lembrei-me que ela, contudo

Me havia deixado um pedacinho de seu eu: A minha filha

Uma pequenina boneca de carne que eu tinha o dever de educar

Voltei novamente a cantar mas só por amor à minha filha

Eduquei-a, fez-se moça, bonita

E uma noite, quando eu cantava ainda mais uma vez A Força do Destino

Deus levou a minha filha para nunca mais voltar

Daí pra cá eu fui caindo, caindo

Passando dos teatros de alta categoria para os de mais baixa

Até que acabei por levar uma vaia cantando em pleno picadeiro de um circo

Nunca mais fui nada

Nada, não!

Hoje, porque bebo a fim de esquecer a minha desventura, chamam-me ébrio

Ébrio

Tornei-me um ébrio na bebida, busco esquecer

Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou

Apedrejado pelas ruas vivo a sofrer

Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou

Só nas tabernas é que encontro meu abrigo

Cada colega de infortúnio é um grande amigo

Que embora tenham, como eu, seus sofrimentos

Me aconselham e aliviam os meus tormentos

Já fui feliz e recebido com nobreza até

Nadava em ouro e tinha alcova de cetim

E a cada passo um grande amigo que depunha fé

E nos parentes… Confiava, sim!

E hoje ao ver-me na miséria, tudo vejo então

O falso lar que amava e que a chorar deixei

Cada parente, cada amigo, era um ladrão

Me abandonaram e roubaram o que amei

Falsos amigos, eu vos peço, imploro a chorar

Quando eu morrer, à minha campa nenhuma inscrição

Deixai que os vermes pouco a pouco venham terminar

Este ébrio triste, este triste coração

Quero somente que na campa em que eu repousar

Os ébrios loucos como eu venham depositar

Os seus segredos ao meu derradeiro abrigo

E suas lágrimas de dor ao peito amigo


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